Análise: Ataque contra Israel mostra 'vitória' da linha-dura do Irã, mesmo com riscos à sobrevivência do regime
Desde o assassinato de Ismail Haniyeh em Teerã, em julho, país era cobrado por uma resposta aos israelenses, mas governo preferia a cautela, até agora Com o lançamento de cerca de 200 mísseis contra Israel, causando estragos em instalações militares e civis, o Irã deu uma contribuição crucial para o agravamento da situação de segurança no Oriente Médio, à beira de uma guerra de grande porte desde os ataques do grupo terrorista Hamas e a operação israelense em Gaza, há quase um ano. Escalada de Israel x Irã e Hezbollah: Acompanhe a cobertura completa Irã x Israel: No caso de uma guerra, quais são as capacidades de ataque e defesa de ambos os lados? Veja em gráfico Ao contrário dos bombardeios de abril, que foram quase coreografados para responder ao ataque, por Israel, de seu consulado em Damasco, desta vez os iranianos usaram mísseis balísticos modernos, que conseguiram, ao menos em parte, romper as linhas de defesa. Uma decisão que reflete pressões internas e também mudanças dentro do núcleo de poder em Teerã. Após o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, horas depois da posse do presidente, Masoud Pezeshkian, em julho, o governo iraniano prometeu uma resposta à altura, e imaginou-se que um ataque iminente e similar ao ocorrido em abril, com algumas centenas de mísseis, drones e foguetes, estava a caminho. Alertas chegaram a ser emitidos por países como os EUA e pela inteligência israelense de que os lançamentos eram “iminentes”. Irã lança mísseis contra Israel Os mísseis não foram lançados, e um tom que aliava as ameaças de hábito à sinalização de que o país estava aberto ao diálogo com o Ocidente foi lentamente assumindo o lugar central. Pezeshkian, um reformista que tem laços antigos com o regime, falava abertamente em retomar o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, rasgado em 2018 por Donald Trump e substituído por uma política dura de sanções. — Apesar das promessas retóricas de retaliação, o Irã demonstrou contenção na prática, mesmo com Israel tendo escalado bruscamente — disse à CNBC Sina Toossi, pesquisador do Center for International Policy. — Muitos elementos reformistas dentro do governo de Pezeshkian argumentam que o Irã não pode se dar ao luxo de uma guerra que arrisca que sua infraestrutura crítica seja alvo. Mas nem só de reformistas se faz o complexo sistema político iraniano. A chamada linha-dura, que se apresenta como defensora dos “ideais da Revolução Islâmica” de 1979, pressionava por uma resposta ainda mais dura do que a de abril — um dos argumentos era de que, ao adotar a cautela, o Irã passava uma imagem de fragilidade diante de seus aliados, como milícias armadas no Iraque, Síria e grupos maiores, como os houthis no Iêmen. Ataque 'assustou a todos': Brasileiro que sobreviveu ao ataque do Hamas busca abrigo em bunker durante ofensiva do Irã e relata tensão em Israel O golpe definitivo na política de contenção veio há cerca de duas semanas, quando Israel deu início aos ataques aéreos contra posições do Hezbollah no Líbano, e incluiu a capital do país, Beirute, na lista de alvos. Segundo o governo libanês, mais de mil pessoas morreram nos últimos dias, incluindo integrantes do grupo político-militar e também membros da Guarda Revolucionária, organização que também dá as cartas em Teerã. Na sexta-feira passada, quando Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah há mais de três décadas, foi morto, o regime se viu diante de uma nova série de escolhas incômodas. Dentro do modelo de alianças regionais forjado pelo Irã, conhecido como “Eixo da Resistência”, milícias aliadas servem como linhas avançadas de defesa de Teerã contra eventuais ataques israelenses, e também para ações ofensivas. Neste sistema, o Hezbollah, uma das maiores forças militares não estatais do planeta, exerce um papel de força de dissuasão, com cerca de cem mil mísseis apontados para Israel a poucos quilômetros da fronteira. Diante dos bombardeios, que, segundo a rede al-Arabiya, destruíram quase metade do arsenal da milícia e mataram dezenas de oficiais e lideranças, o risco de perder a posição privilegiada e o prestígio se tornou real. Na véspera do ataque, em entrevista à rede CNN, Ali Vaez, diretor do International Crisis Group para o Irã, disse acreditar “que tenha ocorrido uma séria mudança de pensamentos em Teerã”, e que a opção pelo apoio indireto ao Hezbollah, preferida até agora, poderia ser abandonada diante da percepção de que o grupo seria derrotado. A contenção dava lugar ao enfrentamento. Irã lança mísseis contra Israel Em declarações à al-Jazeera, Omar Rahman, pesquisador no Conselho do Oriente Médio para Assuntos Globais, as movimentações dos últimos dias, somadas à invasão terrestre do Líbano, mostravam que um ataque era “esperado”, e que teria como objetivo restaurar ao menos parte da credibilidade do regime junto aos seus aliados. A forma como ocorreram os bombardeios, com mísseis balísticos, de mais difícil interceptação, pareceu moldada não para passar uma mensag
Desde o assassinato de Ismail Haniyeh em Teerã, em julho, país era cobrado por uma resposta aos israelenses, mas governo preferia a cautela, até agora Com o lançamento de cerca de 200 mísseis contra Israel, causando estragos em instalações militares e civis, o Irã deu uma contribuição crucial para o agravamento da situação de segurança no Oriente Médio, à beira de uma guerra de grande porte desde os ataques do grupo terrorista Hamas e a operação israelense em Gaza, há quase um ano. Escalada de Israel x Irã e Hezbollah: Acompanhe a cobertura completa Irã x Israel: No caso de uma guerra, quais são as capacidades de ataque e defesa de ambos os lados? Veja em gráfico Ao contrário dos bombardeios de abril, que foram quase coreografados para responder ao ataque, por Israel, de seu consulado em Damasco, desta vez os iranianos usaram mísseis balísticos modernos, que conseguiram, ao menos em parte, romper as linhas de defesa. Uma decisão que reflete pressões internas e também mudanças dentro do núcleo de poder em Teerã. Após o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, horas depois da posse do presidente, Masoud Pezeshkian, em julho, o governo iraniano prometeu uma resposta à altura, e imaginou-se que um ataque iminente e similar ao ocorrido em abril, com algumas centenas de mísseis, drones e foguetes, estava a caminho. Alertas chegaram a ser emitidos por países como os EUA e pela inteligência israelense de que os lançamentos eram “iminentes”. Irã lança mísseis contra Israel Os mísseis não foram lançados, e um tom que aliava as ameaças de hábito à sinalização de que o país estava aberto ao diálogo com o Ocidente foi lentamente assumindo o lugar central. Pezeshkian, um reformista que tem laços antigos com o regime, falava abertamente em retomar o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, rasgado em 2018 por Donald Trump e substituído por uma política dura de sanções. — Apesar das promessas retóricas de retaliação, o Irã demonstrou contenção na prática, mesmo com Israel tendo escalado bruscamente — disse à CNBC Sina Toossi, pesquisador do Center for International Policy. — Muitos elementos reformistas dentro do governo de Pezeshkian argumentam que o Irã não pode se dar ao luxo de uma guerra que arrisca que sua infraestrutura crítica seja alvo. Mas nem só de reformistas se faz o complexo sistema político iraniano. A chamada linha-dura, que se apresenta como defensora dos “ideais da Revolução Islâmica” de 1979, pressionava por uma resposta ainda mais dura do que a de abril — um dos argumentos era de que, ao adotar a cautela, o Irã passava uma imagem de fragilidade diante de seus aliados, como milícias armadas no Iraque, Síria e grupos maiores, como os houthis no Iêmen. Ataque 'assustou a todos': Brasileiro que sobreviveu ao ataque do Hamas busca abrigo em bunker durante ofensiva do Irã e relata tensão em Israel O golpe definitivo na política de contenção veio há cerca de duas semanas, quando Israel deu início aos ataques aéreos contra posições do Hezbollah no Líbano, e incluiu a capital do país, Beirute, na lista de alvos. Segundo o governo libanês, mais de mil pessoas morreram nos últimos dias, incluindo integrantes do grupo político-militar e também membros da Guarda Revolucionária, organização que também dá as cartas em Teerã. Na sexta-feira passada, quando Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah há mais de três décadas, foi morto, o regime se viu diante de uma nova série de escolhas incômodas. Dentro do modelo de alianças regionais forjado pelo Irã, conhecido como “Eixo da Resistência”, milícias aliadas servem como linhas avançadas de defesa de Teerã contra eventuais ataques israelenses, e também para ações ofensivas. Neste sistema, o Hezbollah, uma das maiores forças militares não estatais do planeta, exerce um papel de força de dissuasão, com cerca de cem mil mísseis apontados para Israel a poucos quilômetros da fronteira. Diante dos bombardeios, que, segundo a rede al-Arabiya, destruíram quase metade do arsenal da milícia e mataram dezenas de oficiais e lideranças, o risco de perder a posição privilegiada e o prestígio se tornou real. Na véspera do ataque, em entrevista à rede CNN, Ali Vaez, diretor do International Crisis Group para o Irã, disse acreditar “que tenha ocorrido uma séria mudança de pensamentos em Teerã”, e que a opção pelo apoio indireto ao Hezbollah, preferida até agora, poderia ser abandonada diante da percepção de que o grupo seria derrotado. A contenção dava lugar ao enfrentamento. Irã lança mísseis contra Israel Em declarações à al-Jazeera, Omar Rahman, pesquisador no Conselho do Oriente Médio para Assuntos Globais, as movimentações dos últimos dias, somadas à invasão terrestre do Líbano, mostravam que um ataque era “esperado”, e que teria como objetivo restaurar ao menos parte da credibilidade do regime junto aos seus aliados. A forma como ocorreram os bombardeios, com mísseis balísticos, de mais difícil interceptação, pareceu moldada não para passar uma mensagem, mas sim para causar estragos calculados — ao menos três bases aéreas teriam sido atingidas, além de posições dentro da Faixa de Gaza e nos arredores de Tel Aviv. E o tom das mensagens da Guarda Revolucionária, que prometeu novas ações caso Israel ataque o Irã, mostra disposição para um enfrentamento prolongado. A liderança iraniana sabe que o premier israelense, Benjamin Netanyahu, aguarda há décadas por um confronto direto contra o Irã, país que vê como uma “ameaça existencial”, e um ataque como o desta terça-feira seria como dar um passo em direção a uma armadilha, com possível envolvimento dos EUA. Na segunda-feira, Netanyahu sugeriu que a queda do regime dos aiatolás estava “mais perto do que se imagina”, e representantes do governo sinalizam para uma resposta contundente. Resta saber se os defensores da guerra em Teerã têm planos de ação para um conflito que começa a se desenhar em curto prazo, e que pode ser a maior ameaça à República Islâmica desde a guerra com o Iraque, entre 1980 e 1988.
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